segunda-feira, março 09, 2009

Vem lobo (outra vez)


Segundo a Lusa, algumas associações ambientais terão dito que o abate da águia imperial que ocorreu há dias "representa um desastre para a recuperação da águia imperial em Portugal e um entrave à conservação de muitas espécies de predadores, incluindo as planeadas acções de reintrodução do lince ibérico".
A afirmação é tão estranha que procurei o original do que foi dito pelas associações para confirmar mas não encontrei.
Independentemente de se tratar de uma interpretação criativa de um jornalista ou do que realmente pretenderam dizer as associações pareceu-me útil não deixar passar em claro mais este exemplo do discurso apocalíptico, eventualmente ambiental, a propósito de tudo e nada.
Penso que no ano passado terá havido quatro casais a nidificar em Portugal (não tenho a certeza) dos quais dois terão tido reprodução com sucesso, com o saldo final de três crias.
A espécie está em expansão (em Portugal há cinco anos não nidificava).
Claro que a morte prematura de uma espécie de que existirão 500 indivíduos é sempre de ter em atenção.
Mas numa espécie em recuperação, como é inegavelmente a águia imperial, convém interpretar os factos no seu contexto.
E partir de um facto fortuito, lamentável, com certeza, um crime, sim senhora, mas um acto fortuito, para tirar conclusões gerais sobre a conservação de outras espécies não faz o menor sentido e não serve a causa da conservação.
henrique pereira dos santos
PS Quando procurava confirmar a ordem de grandeza da população de águia imperial acabei por ir consultar o artigo que está na wikipedia e já lá está referido este abate. Notável.

9 comentários:

Jaime Pinto disse...

Quem quiser ler opiniões de caçadores sobre este assunto abra:

http://www.santohuberto.com/forum/forum_detalhes.asp?ID=12103&Origem=12103#ini

Anónimo disse...

Então aqui fica a explicação.

É por demais evidente que uma das principais condições para a reintrodução de uma espécie ameaçada de predador, é a aceitação por parte da população local e erradicação ou, pelo menos, a mitigação dos factores de ameaça.

No entanto, neste espaço parece não se dar muita importância a "factos fortuito" como este.

Aliás, temos aqui a frase que define esta postura :"Mas numa espécie em recuperação, como é inegavelmente a águia imperial, convém interpretar os factos no seu contexto." E está tudo dito.

Para não tornar este comentários muito extenso, transcrevo o comunicado e a sua introdução num comentário em separado.

Anónimo disse...

Comunicado de imprensa:

Introdução
"A SOS Lince vem, por este meio, emitir um comunicado, conjuntamente com outras duas associações, relativo ao abate ilegal da águia imperial no Vale do Guadiana, situação noticiada na passada segunda-feira. O texto segue abaixo, para além do ficheiro anexo.

Agradecemos a vossa atenção para este assunto, de forma a que o sucedido não caia facilmente no esquecimento. Este é um caso que deverá servir para que se tomem medidas preventivas e pedagógicas, de forma a evitar actos semelhantes no futuro. Situações como esta poderão prejudicar gravemente, ou mesmo impedir, os trabalhos de conservação e reintrodução de várias espécies ameaçadas de predadores."

Corpo da mensagem
"MORTE DE UM MACHO DE ÁGUIA IMPERIAL AMEAÇA A ESPÉCIE

As associações de ambiente SOS Lince, A Nossa Terra – Associação Ambiental e Almargem denunciam a morte deliberada do macho do único casal nidificante de águia imperial ibérica em Portugal. A ave foi morta a tiro entre os dias 21 e 23 de Fevereiro na área do Vale do Guadiana.

A águia imperial ibérica é uma das espécies de rapina mais raras do mundo, com apenas 400 casais sobreviventes. Outrora, esta espécie distribuía-se por toda a Península Ibérica mas, actualmente, encontra-se confinada a pequenos núcleos no centro e sul de Espanha, e em algumas zonas da fronteira com o nosso país.

O deliberado abate a tiro deste espécime em particular, não só é considerado completamente ilegal pela Lei portuguesa e pelas disposições internacionais, como também representa um desastre para a recuperação da águia imperial em Portugal e um entrave à conservação de muitas espécies de predadores, incluindo as planeadas acções de reintrodução do lince ibérico.

A ave foi abatida junto ao seu ninho, dentro de uma área supostamente protegida, por um ou mais indivíduos que, presumivelmente, não denotam qualquer tipo de respeito pela Lei ou pela conservação da natureza.

Miguel Rodrigues, porta-voz do SOS Lince, declarou: "atitudes irracionais como esta constituem um dos principais entraves à conservação de predadores ameaçados em Portugal e Espanha. Se a perseguição a estes predadores não puder ser controlada de forma efectiva, a futura recuperação de muitas destas importantes espécies estará em causa."

Gonçalo Rosa disse...

Caro Miguel,

Passo a indicar algumas incorrecções do vosso comunicado:

"denunciam a morte deliberada do macho do único casal nidificante de águia imperial ibérica em Portugal"

Não é verdade. São conhecidos quatro casais de águias-imperiais em Portugal. Em 2008, nidificaram com êxito dois casais. Qual foi a vossa fonte de informação???

"A águia imperial ibérica é uma das espécies de rapina mais raras do mundo, com apenas 400 casais sobreviventes"

Também não é verdade. São infelizmente bem menos de 300 casais. Quer referências?

"Outrora, esta espécie distribuía-se por toda a Península Ibérica mas, actualmente, encontra-se confinada a pequenos núcleos no centro e sul de Espanha, e em algumas zonas da fronteira com o nosso país."

Induz em erro os destinatários. A tendência actual é claramente de incremento da população e da sua área de distribuição. Por exemplo, não disse que ainda há meia dúzia de anos que esta espécie não nidificava em Portugal. Agora temos, pelo menos, quatro casais. Esqueceu-se de dar esta nota de optimismo (bem alicerçado).

"O deliberado abate a tiro deste espécime em particular... também representa um desastre para a recuperação da águia imperial em Portugal e um entrave à conservação de muitas espécies de predadores, incluindo as planeadas acções de reintrodução do lince ibérico."

Eu esta não consigo mesmo perceber... até a demagogia tem limites!!!

Que fique claro que considero profundamente lamentavel este tipo de episódios e, em post anterior, já apontei algumas medidas concretas para os minimizar. Todavia, acho que devem rever os cenários negros que pintam para a opinião pública. Não levam a nada a não ser desacreditarem o movimento ambientalista.

Gonçalo Rosa

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Miguel Rodrigues,
Antes de mais deixe-me agradecer-lhe o facto de aceitar discutir aqui o comunicado, disponibilidade que vai rareando no movimento ambientalista.
Pensei que interpretar os factos no seu contexto fosse uma postura normal, o que poderemos é divergir no contexto.
A questão de fundo é que do ponto de vista da conservação este abate é um contratempo, não é um drama.
É fácil a esta espécie recrutar um novo macho, visto que está em expansão e a postura deste ano não foi afectada porque a cria já era independente.
Daqui retirar conclusões sobre a aceitação da conservação parece-me excessivo. Repare que o bicho esteve lá muitos mais dias sem acontecer nada.
Acho bem que se responsabilize quem for possível responsabilizar, acho bem que se avalie se o que existe para proteger a espécie é adequado ou não (mesmo adequado pode diminuir o risco mas não pode impedir um idiota ignorante ou determinado de matar um animal) e essas coisas todas.
Mas empolar o assunto só serve para desacreditar o movimento ambientalista.
As pessoas têm memória e portanto daqui a muito poucos anos, quando houver mais casais a nidificar e quiser defender o lince vão-lhe responder que o que disser tem o mesmo rigor que as previsões catastrofistas sobre a águia imperial e não lhe vão ligar nenhuma.
E isso é mau porque a situação do lince e da imperial são mesmo diferentes.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Caro Gonçalo
Caro Henrique

A nossa fonte de informação foi a comunicação social. Admito que, mais que frequentemente, estes meios não reproduzem a informações com rigor. Assim, agradeço a actualização desta informação. Ainda bem que as coisas estão um pouco melhor do que pensávamos!

É verdade que faltou a nota positiva da recente e tímida recuperação da espécie em território nacional, pela qual muito nos alegramos. O sucedido veio, obviamente, atrasar esta recuperação.

Mas não é ao nível dos efectivos a nidificar que este caso se torna mais prejudicial. É ao nível das mentalidades retrógradas e com falta de conhecimentos, que ainda vigoram por todo o território nacional, e que levam a situações, como diz, lamentáveis como esta.

Se se acha que acontecimentos deste tipo não prejudicam os planos de recuperação de outras espécies, analisem-se os critérios de selecção das áreas para a reintrodução do lince na Andaluzia. Um destes critérios, que foi considerado dos mais importantes (com direito a uma comunicação específica sobre o tema no último seminário), foi o grau de aceitação da espécie por parte da população. Torna-se, assim, evidente que nas áreas onde ainda se abatem espécies em risco, os factores de ameaça ainda subsistem, não podendo ser executado qualquer plano de reintrodução sem um trabalho longo, laborioso e dispendioso de educação e preparação das populações locais. O que seria necessário levar a cabo nesta zona(e em muitas outras), seria um estudo quantitativo que avaliasse este factores. Está planeado que isto venha a ser feito no caso lince.

Como o Henrique diz, a situação da águia imperial e do lince são diferentes. Com maiores dificuldades para este último, claro. Por isso mesmo não se poderá arriscar um a reintrodução de animais (cada exemplar é precioso!) numa área onde se verifiquem situações como esta.

Não considero isto empolar o assunto e a SOS Lince nunca se pautou por princípios radicais ou alarmistas. No entanto este tipo de factores são ainda muito pouco divulgados no nosso país.

Também não me parece que alertar a opinião pública para as repercussões que as acções de uns quantos podem ter no futuro da conservação, desacredite o movimento ambientalista.

Gonçalo Rosa disse...

Caro Miguel,

Bem sei que o Henrique já o fez, mas também eu faço questão de registar com satisfação o facto de dar a cara à discussão. É infelizmente pouco comum no movimento ambientalista, o que é pena pois creio que só temos a ganhar em saltar das conversas de balcão de café e discutir abertamente estes e outros assuntos.

Miguel diz: "É verdade que faltou a nota positiva da recente e tímida recuperação da espécie em território nacional"

Ainda bem que reconhece, mas lá estamos outra vez com leituras "tímidas" da situação, quer ver:

Se em meia dúzia de anos passamos de 0 casais para 4 casais, fala de "tímida recuperação", como designará se na próxima meia dúzia de anos passarmos dos actuais 4 casais para o 0??? Talvez "tímida regressão"???

Miguel diz: "Mas não é ao nível dos efectivos a nidificar que este caso se torna mais prejudicial. É ao nível das mentalidades retrógradas e com falta de conhecimentos, que ainda vigoram por todo o território nacional, e que levam a situações, como diz, lamentáveis como esta."

Não percebo? É ao nível das mentalidades mais retrógadas que se torna mais prejudicial??? É isso? Francamente não percebo...

Miguel diz: "No entanto este tipo de factores são ainda muito pouco divulgados no nosso país."

Acha que sim, Miguel? Já viu a quantidade de notícias, posts em blogues e comentários que este caso, felizmente, originou? Não creio que seja por falta de mediatização que este tipo de problemas não se resolve.

Miguel diz: "Não considero isto empolar o assunto e a SOS Lince nunca se pautou por princípios radicais ou alarmistas. No entanto este tipo de factores são ainda muito pouco divulgados no nosso país. Também não me parece que alertar a opinião pública para as repercussões que as acções de uns quantos podem ter no futuro da conservação, desacredite o movimento ambientalista."

O comunicado traça manifestamente uma visão catastrofista. Disse e repito, o que aconteceu é completamente inaceitável, digno de notícia e de acções concretas que dificultem outros abates, daí a entender que "representa um desastre para a recuperação da águia imperial em Portugal e um entrave à conservação de muitas espécies de predadores" vai uma boa distância.

Cumprimentos,

Gonçalo Rosa

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Miguel Rodrigues,
Tenho as maiores dúvidas de quem quer que tenha morto a águia soubesse que estava a atirar sobre uma águia imperial. Acredito que soubesse que estava a disparar sobre uma rapina e que isso era ilegal mas não devemos tirar conclusões gerais de factos particulares: o facto do casal ter criado com sucesso a sua cria é um factor demonstrativo da aceitação da espécie.
Como é natural é no ninho que os animais estão mais fragilizados e é portanto no ataque aos ninhos (quer aos ovos, quer aos aguiotos) que se revela melhor a intolerância à espécie.
Não tenho dúvida das boas intenções acho é que é preciso mais que isso para se ser eficaz na conservação.
E nesta caso acho que a mediatização pesou mais que o bom senso.
De vez em quando é preciso dizer às pessoas: "fantástico, apesar de uma idiotice (pode pôr um crime, de preferir) como esta estamos no bom caminho e estamos convencidos que não é este facto que vai alterar o curso de recuperação da águia imperial. O que demonstra que vale a pena esforçarmo-nos. Infelizmente não podemos dizer o mesmo de todas as espécies e em relação ao Lince a situação é muito mais difícil. Mas havemos de lá chegar quando conseguirmos recuperar as populações de coelho em que estamos a trabalhar".
Talvez tenha menos notícias de jornais com um comunicado assim mas tem com certeza, mais voluntários para trabalhar consigo.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Caro Gonçalo

Não me fiz entender, pelo que passo a explicar.

Quando refiro que "não é ao nível dos efectivos a nidificar que este caso se torna mais prejudicial. É ao nível das mentalidades retrógradas e com falta de conhecimentos" quero dizer que, neste caso, o factor mais prejudicial para a conservação não é a perda de um indivíduo mas sim o tipo de mentalidades subjacentes a este tipo de actos.

Quando digo "No entanto este tipo de factores são ainda muito pouco divulgados no nosso país", refiro-me à avaliação das condicionantes humanas e do grau de aceitação por parte destas, como factor crucial na ponderação de áreas para reintrodução de predadores ameaçados.

Dado o que acima explico, mantenho que este tipo de acontecimentos (e a forma de pensar que lhe está subjacente) são extremamente prejudiciais para a conservação.


Caro Henrique

É uma questão de ponto de vista. Tenho manifestado, desde há muito, a minha satisfação pela recuperação desta espécie e pelo seu recente regresso ao território nacional. Isto torna cada ave preciosa, especialmente se é um adulto reprodutor. Outra maneira de ver as coisas, de certo mais pessimista mas que creio que merece reflexão, é pensar que a ave foi abatida logo nos primeiros anos em que se volta a verificar reprodução. Caso tenha sido um caçador (e ainda não está claro que tenha sido), trata-se de pessoas que reconhecem com alguma facilidade uma espécie diferente daquelas mais habituais. Estou com isto a sugerir que poderá ter-se tratado de "controlo de predadores", mais uma vez devido à ideia pouco esclarecida de que estas espécies são prejudiciais à caça (quando, na verdade, os dados apontam exactamente para o contrário).

"E neste caso acho que a mediatização pesou mais que o bom senso." Mais uma vez, é uma questão de ponto de vista. Vivemos numa sociedade que, no geral e apesar de alguma lenta evolução, pouco se preocupa ainda com estas questões. Na minha opinião, o sistemático minimizar das situações, desinteressa as pessoas já de si pouco sensibilizadas.

Cumprimentos,

Miguel Rodrigues