quinta-feira, setembro 26, 2013

Uma ideia trágica para o mundo rural



"De modo que este país da vinha e da oliveira, das frutas magníficas e das flores preciosas, podendo oferecer no grandes mercados, com antecedência de bastantes dias, os produtos mais caros e mais raros, de maior procura e consumo, vive agarrado à miséria da sua cultura de cereais. Porque não a abandonará?”".

Esta citação, por muito que muitos estranhem, é de António Oliveira Salazar.

Salazar, no ensaio de 1916 que cito (Questão cerealífera: o trigo), e que este excerto traduz bem, faz uma extensa análise da questão cerealífera, em especial do trigo, muitíssimo bem informada e demonstrando uma cultura agronómica notável, tanto porque sabia de perto o que era o campo dos pequenos agricultores, como pela quantidade e solidez das fontes que usa, seguramente as melhores disponíveis na altura, sobre a questão agrária em Portugal.

E traduz fielmente a tragédia das elites que se debruçaram sobre o mundo rural português (e em grande parte ainda hoje isso se verifica).

Quase todos formados pelas escolas da Europa central, ou pelo menos fortemente influenciados por elas (como Salazar, que cita o escol dos que pensaram sobre agricultura no país, nesse tempo), a agricultura assume uma primazia absoluta (era preciso alimentar a nação) a que se junta, em complementaridade, a produção florestal.

A pecuária, em especial de bovinos, está muito entranhada nesta discussão, mas como submundo da agricultura e, em especial, como sub-utilização de um espaço que poderia ser agrícola (muito interessante a discussão do último quartel do século XIX sobre os avanços e recuos das áreas cultivadas, em especial para trigo, estando sempre presente o famoso mito dos incultos e do abandono, nomeadamente o recuo pontual da produção de trigo e, concomitante, aumento da produção pecuária, considerada uma extensificação da produção prejudicial à nação, embora favorável ao produtor).

A ideia trágica é a de que a produção em regime pastoril, em especial de pequenos ruminantes, é matéria que não merece grande consideração, ou que merece análises semelhantes às que são feitas para os incultos que é fundamental erradicar.

Ora o que começo a aprender é que esta ideia, que ainda hoje é dominante, e que foi dominante seguramente nas elites que discutem o mundo rural nos últimos 150 a 200 anos, desde a transição do antigo regime para a economia moderna, é uma tragédia que se abateu sobre o mundo rural, impedindo uma discussão equilibrada sobre a produção, a riqueza e a sustentabilidade do mundo rural.

Está na altura dos nossos engenheiros florestais passarem a engenheiros de montes e recolocar a pastorícia no seu devido lugar na discussão do mundo rural.

É, como sempre foi, embora raramente reconhecido, a chave do mundo rural que nos coube em sorte gerir, mesmo que a agricultura seja, como sempre foi, o motor que põe o maquinismo em movimento.

henrique pereira dos santos

2 comentários:

Anónimo disse...

Eu até concordo com as palavras Henrique Pereira dos Santos que abaixo reproduzo.

O que eu não percebo é como o Henrique Pereira dos Santos compatibiliza o capitalismo com a pastorícia.

E das duas uma:
A) ou o Henrique Pereira dos Santos é um ruralista salazarista a fingir que é capitalista liberal e partidário do liberalismo económico e político,

B) ou então – o que é mais provável – o HPS não sabe pensar nem analisar as diferentes lógicas económicas, sendo incapaz de analisar a incompatibilidade entre o crescimento capitalista e a defesa do ambiente e dos montes.

Como o mais provável é a comprovada incapacidade de reflectir criticamente do Henrique Pereira dos Santos só posso concluir mais uma vez que ele fala do que não conhece, e mais uma vez anda a lançar semear confusão mental e a poluir o ambiente intelectual do país.

Alguns excertos do texto do HPS:

«A ideia trágica é a de que a produção em regime pastoril, em especial de pequenos ruminantes, é matéria que não merece grande consideração, (…)
Ora o que começo a aprender é que esta ideia, que ainda hoje é dominante, e que foi dominante seguramente nas elites que discutem o mundo rural nos últimos 150 a 200 anos, desde a transição do antigo regime para a economia moderna, é uma tragédia que se abateu sobre o mundo rural, (…)
Está na altura dos nossos engenheiros florestais passarem a engenheiros de montes e recolocar a pastorícia no seu devido lugar na discussão do mundo rural.»

Anónimo disse...

Já há muito tempo que deixei de considerar o Henrique Pereira dos Santos um liberal.

Basta ler o texto de Paul Starr que formula os princípios gerais do liberalismo norte-americano, e as numerosas colagens do Henrique Pereira dos Santos à Opus Dei, ao João César das Neves, e aos interesses dominantes do mainstream económico e social, para concluirmos que se trata antes de um reacionário anti-socialista e anti-ecologista.

«Liberalism wagers that a state... can be strong but constrained – strong because constrained... Rights to education and other requirements for human development and security aim to advance equal opportunity and personal dignity and to promote a creative and productive society. To guarantee those rights, liberals have supported a wider social and economic role for the state, counterbalanced by more robust guarantees of civil liberties and a wider social system of checks and balances anchored in an independent press and pluralistic society.»
—Paul Starr, The New Republic volume 236, pp. 21–24

Paul Starr (co-founder of the magazine The American Prospect)
Ver o texto completo:
http://www.princeton.edu/~starr/articles/articles07/Starr_War_and_Liberalism_TNR07.pdf

The American Prospect is a bimonthly American political magazine dedicated to American liberalism. Based in Washington, DC, The American Prospect is a journal "of liberal ideas, committed to a just society, an enriched democracy, and effective liberal politics”
The magazine was founded in 1990 by Robert Kuttner, Robert Reich, and Paul Starr as a response to the perceived ascendancy of conservatism in the 1980s. It currently enjoys a monthly readership of 100,000 and an online readership of nearly 1 million